Um dos cavalos de batalha deste governo era, supostamente, a agregação
das freguesias, não só por motivos de poupança mas também – creio eu – para
modernizar o aparelho do Estado. Já à partida o processo começou de forma inversa oferecendo aos
municípios a possibilidade de se pronunciarem sobre a reorganização
administrativa de cada território quando isto deveria ser feito logo, desde o início,
por técnicos-especialistas, só dando depois às câmaras a possibilidade de recorrer.
É do conhecimento geral que o poder local, sejam autarquias, sejam freguesias,
nunca foi um grande protagonista de mudanças administrativas, bem pelo
contrário: neste aspecto sempre foi um factor de imobilismo conservador e demasiado
preocupado com a manutenção das suas prerrogativas. Neste contexto é de esperar
que a maior parte dos municípios farão tudo para limitar ao máximo a
remodelação administrativa do território, quase um boicote suave…
Entretanto tivemos no 31 de Março a grande manifestação “retro” em
Lisboa, que foi verdadeiramente uma mostra de Portugal no seu melhor:
milhares de pessoas acompanhadas por grupos folclóricos, acordeonistas e outros
Zés Pereiras, vociferando contra a extinção de freguesias. Francamente incrível:
enquanto muitos países resolveram já há décadas o seu problema de excesso de
entidades minúsculas abaixo do nível de "Câmara Municipal", continua
a ser possível em Portugal mobilizar multidões contra esta reforma tão
necessária. Qual será o mal trocar as Juntas constituídas por via política e
pagas pelo contribuinte, por serviços administrativos, provavelmente de maior
competência, prestados por um funcionário da Câmara? Admito que tenho algumas
experiências traumáticas com Juntas de Freguesias geridas à base de favores e
cunhas, e neste contexto prefiro sem dúvidas um tratamento administrativo
neutro, objectivo e não politizado: tratar dos meus assuntos não pode depender
da benevolência de alguém; é simplesmente um direito meu. Nos países onde as
“freguesias” ou similares foram abolidas, a população recebe apoio
administrativo nas instalações existentes, nos horários habituais: neste
aspecto nada muda.
Para além disso, todos os argumentos utilizados para a manutenção
do “status quo” são de ordem
sentimental, alguns francamente erróneos: por exemplo, como é que livrar o país
dum estado de esmigalhamento extremo poderia afectar a coesão nacional? Não
será antes o contrário? Será socialmente tão saudável convidar a cada quatro
anos as populações destas pequenas sociedades a dividirem-se em grupos políticos
inimigos e ficarem em pé de guerra partidária na altura das eleições locais?
Outro argumento querido pelos “ tradicionalistas irredutíveis” é a
perda da “proximidade” em caso de reforma administrativa: isto era de facto um
bom argumento há cem anos no tempo dos bois, dos burros e dos caminhos de terra
batida; mas agora, em 2012, na era do telemóvel, do e-mail, da videoconferência,
do SMS, com uma rede densa de estradas (por vezes até demais) parece-me um
exagero sem limites.
Quem explicará à Troika que o interior de Portugal - e não
só - ainda anda na época do paternalismo paroquial mais antiquado, e que há
gente que utiliza uma terminologia hilariante do género de “não compreendemos …
que se extingam as freguesias de Podentes e Rabaçal com toda a carga ancestral
e de identidade que as solidifica e enobrece…”, até quase parece uma frase roubada
aos “Monty Pythons”.
Penela optou por só agregar as suas duas maiores freguesias
(criando segundo a imprensa uma mega-freguesia (!) de 3300 habitantes), uma
fusão que na realidade já deveria ter sido feita há meio-século; de facto, não
vemos qualquer semelhança entre São Miguel ou Santa Eufémia e Berlin-Este ou Oeste
e “o muro imaginário” que passa através do edifício nº 28 da Rua de Coimbra só
é visível para os “iniciados” oriundos desta Terra. Assim, Penela irá reduzir o
mínimo possível o número de freguesias (de seis para cinco), mantendo as quatro
mais pequenas o que significa uma reforma minúscula baseada numa Lei mole e muito
pouco exigente. Existem duas possibilidades: ou o Senhor Secretário de Estado e
o Governo ao qual pertence nunca quiseram na realidade uma reforma
administrativa profunda do país, e optaram por montar um esquema para inglês
ver ou então, se o desejo de dotar Portugal de uma administração municipal mais
simples, mais profissional e mais eficaz era mesmo sincero, o Eng.º. Paulo Júlio
deve estar muito, mas mesmo muito desiludido com a sua vila natal.
Quero finalizar - sem qualquer tipo de presunção - com um exemplo esclarecedor.
No fim-de-semana passado estive com dois amigos Portugueses na Bélgica, concretamente
na cidade onde nasci. É uma pequena cidade rural de 20.000 habitantes (Penela tem
quase 6.000) com uma superfície de 120 km2 (Penela 132 km2)
e… não têm nenhuma freguesia. No país referido, desde a reforma administrativa
em 1961 (há 50 anos!), só as cidades com mais de 100.000 habitantes podem
manter um sistema de “subdivisões” ou “freguesias” e – o que é bastante
elucidativo - só uma única, Antuérpia com mais de 500.000 habitantes, aproveita
esta possibilidade.
Conclusões:
1º Penela perdeu a oportunidade de ser um exemplo motivador para o
país inteiro.
2º Uma reforma parcial que não passa de uma pequena intervenção
cosmética e superficial, não serve a Portugal em nada, bem pelo contrário, mais
uma vez arriscamos continuar a correr atrás do comboio da história.