terça-feira, julho 10, 2012

Na Relva da Selva

Miguel Selvas, o meu talhante habitual, tem uma experiência profissional de mais de vinte anos. O homem, bom rapaz, acabou apenas a quarta classe, mas mesmo assim sabe escrever o seu nome correctamente, num mapa é capaz de indicar sem qualquer hesitação Lisboa, Porto e mesmo Coimbra e nas contas de cabeça é muito mais rápido do que qualquer maquineta: um quilo de febras e quinhentas gramas de morcela dão 8 euros e 40 cêntimos: ...toma! Para além disso o Miguel é exemplar do ponto de vista social: canta aos Domingos no coro da Igreja, é campeão de matraquilhos no bar da Associação e nunca bate na sua mulher. No que diz respeito à sua profissão é especialista em desmanchar cabritos, em cortar bifes muito fininhos e em preparar salsichas frescas.
Estimado Senhor Reitor da Universidade Independófona, dirijo-me a Vossa Excelência, a fim de requerer para o meu amigo o diploma de médico-cirurgião. Devido à sua inegável experiência em mexer em carnes, tendões e nervos, combinado com o seu rico currículo social, tem sem dúvida direito a um máximo de equivalências. Por isso, sugerimos que o candidato Miguel só faça quatro disciplinas semestrais, a saber: Higiene de facas, tesouras e bisturis (Prof. Anónimo), o cálculo de Honorários lucrativos (Prof. Incógnito), Técnicas para viajar a custo de Laboratórios (Prof.  Ausente) e Métodos para combinar o Público e o Privado (Prof. Espectro). Finalmente quero sublinhar que o Sr. Selvas é membro do Partido Sem Complexos e da Carpintaria Internacional. Aguardando respeitosamente....


quarta-feira, julho 04, 2012

A Troika de todas as frustrações


No Diário de Coimbra de 29-06-2012 foi publicado um artigo de opinião da mão do Dr. Horácio Pina Prata, ex-vereador da cidade de Coimbra, sobre a situação de Portugal na zona euro. O artigo aponta uns erros ortográficos crassos em palavras-provavelmente-chave como "furher" (Fhhrer), "Goebells" (Goebbels) ou "Sarkosy" (Sarkozy), mas pronto... Também não peca por delicadeza evocando o Fhhrer e Auschwitz em conjunto com Frau Merkel, porque sabemos (quase) todos que a mãe desta última era uma judia polaca… O autor parece um pouco obcecado com o espectro das colónias (a Alemanha já não tem colónias desde 1918) e demonstra um medo irracional por um eventual câmbio do estatuto de Portugal de ex-colonizador para novo-colonizado. Para além disso, como um verdadeiro kickboxer virtual, distribui pontapés e murros em todas as direcções, atingindo até o pobre Hollande, amigo íntimo da Sra.Trierweiler (não me diga, outro nome Alemão!) que é relegado para o papel de um vulgar colaboracionista do poder de Berlim. Finalmente o artigo - bastante confuso - acaba referindo-se ao inevitável paralelo entre o futebol e a política supostamente hegemonista da Alemanha: quer os Alemães postos de congestão, na linha do Prof. Marcelo que desejava que a cara da Merkel fosse desfeita… Manifestamente, alguns cronistas nacionais voam muito baixo.
Para ouvir vozes um pouco mais sensatas, talvez valha a pena ler alguns extractos de um artigo recente do excelente jornalista belga Van Overtveldt sobre “o completo não-senso de ‘martelar’ na Alemanha””.
“ …Parece um consenso quase completo atribuir o facto de não existir uma solução para a crise contínua do euro à inflexibilidade dos Alemães. “Martelar” na Alemanha tornou-se um hobby nacional em quase toda a “Eurolândia”, exceptuando os Países Baixos e a Finlândia. É estranho, porque não existem motivos para esta raiva…
….A Alemanha é acusada de quê? Resumindo em poucas palavras, acham que a Alemanha se aproveitou enormemente do euro e agora recusa de ser solidária com os outros países. A realidade é que no início do euro em 1999 a Alemanha era “o homem doente da Europa” (crescimento mínimo, desemprego muito alto, altos défices orçamentais e um balanço comercial desequilibrado); no dia de hoje é de longe a economia mais competitiva do nosso continente…
Foi concretamente o chanceler socialista Gerhard Schröder que começou e que continuou uma política de saneamento, flexibilização e moderação orçamental: já nos meados da primeira década do século XXI foi visível que a velha maquinaria social-económica sem fôlego se tinha transformado num conjunto forte e poderoso...
O argumento que defende que a Alemanha vegetou à custa dos outros países não tem fundamento: nada impediu os outros países de governar seguindo o exemplo da Alemanha … Se os outros países se tivessem igualmente transformado no que diz respeito à competitividade, as suas exportações teriam crescido….O crescimento económico não é um “zero sum game”: todos podem ganhar e o bem-estar pode aumentar...
…Agora dizer que a competitividade da Alemanha é exorbitante ou iníqua, evoca a imagem do ciclista que acha que o seu colega obteve uma vitória injusta porque treinou mais e melhor...
…Outro argumento é que os Alemães deveriam ser mais solidários…por outras palavras, sendo o membro financeiramente mais estável e sólido da zona euro, deveria tornar-se garante para as dívidas dos outros (p.ex. através de eurobonds), mas existem várias razões para a sua falta de entusiasmo para esta
cenário. De facto, a credibilidade de muitos países em relação à instauração de uma política de saneamento é mais do que duvidosa e, neste contexto, a Alemanha exige mais controlos e participação a nível europeu.
“Não”, dizem países como a Espanha, Itália e França: em primeiro lugar solidariedade e depois eventualmente mais participação. Querem as garantias da Alemanha para todos, sem admitir qualquer tipo de controlo por parte daquele país; é como se estivéssemos obrigado a pôr em circulação o nosso cartão de credito sem qualquer possibilidade de controlar o uso do mesmo.….
A Alemanha quer uma união política com desistência de competências em favor da Europa. É a única maneira inteligente para manter a união monetária. Os que no dia de hoje martelam continuamente na Alemanha, têm outra agenda: querem (ab-)usar da força financeira e orçamental da Alemanha para não serem obrigados a mudar demasiadamente as suas próprias agendas políticas.