quinta-feira, maio 15, 2014

A Europa dos Estados ou a Europa dos Povos?


                       
(publicado no jornal "Região do Castelo"
Demos por um momento liberdade à nossa imaginação e supomos que na época da Restauração, Dom João IV tinha perdido todas aquelas batalhas entre 1640 e 1665 e, que consequentemente o nosso país ficava manu militari submetido à coroa dos Habsburgos filipinos. É muito provável que nesta situação Portugal teria continuado dentro do reino vizinho com o estatuto duma região de algum modo autónoma, mas de certeza iria sobreviver no fundo da alma deste povo a aspiração indomável à independência total.
Neste cenário hipotético, não soa muito irrealista supor que Portugal numa guerra civil, como a de 1936, também iria ter tentado conquistar a sua liberdade de mão armada tal como os Catalães e Vascos. Más não, não vamos tão longe e imaginamos simplesmente que após quase quatro séculos, teria finalmente chegada a liberdade e democracia a toda a Península. Sob a manta da Pax Europeia supranacional, o povo de Portugal teria pensado que chegara o momento de poder escolher livremente o seu destino, sem necessidade de recorrer a armas, guerra ou terrorismo: manter-se na estrutura estatal existente ou então sair dela e optar por a independência.
Nada disso caros leitores, não é isso que se verifica, não é esta lógica que se aplica.
Nos dias que correm, num contexto idêntico mas real, os “tenores” da Comunidade Europeia vêm negar publicamente a vários povos do velho continente o direito de definir o seu futuro como comunidade por meio de uma votação livre e democrática.
Por outras palavras, “ indivíduos” que não foram eleitos por ninguém, ameaçam antecipadamente expulsar da C.E., os que teriam a ousadia de definir o seu futuro mediante o sufrágio universal.  
Será que falamos de regiões subdesenvolvidas que não têm nenhuma hipótese de sobreviver economicamente e que só irão criar problemas à comunidade internacional? Não, falamos de futuros países com um PIB per capita na ordem dos 26.500€ no caso da Catalunha, dos 32.600€ como a Flandres, dos 28.900€ como o País Vasco e dos 41.000€ como a Escócia (desta última tendo em conta as suas enormes reservas energéticas).
Será que falamos de fantasias nacionalistas recentes? Não, trata-se de povos e regiões existentes e identificados no mapa da Europa há muitos séculos e, que fazem intimamente parte da história humana e cultural deste continente. Todos eles foram incorporados num estado “plurinacional” dentro do qual se sentem abusados e explorados. F oram “integrados” por meio de casamentos reais, intervenções militares ou tratados internacionais contudo nunca foram consultados os seus cidadãos.
Também foi o caso dos Croatas, dos Eslovenos, dos Lituanos, dos Estónios, etc. , todavia estes receberem o aval da comunidade internacional para independentizar-se; como também recentemente uma ilha minúscula no Pacífico e o problemático Sudão do Sul.
A mais terrível prova da insensatez de diversas instâncias internacionais é, sem dúvida, o Kosovo. Em 1999, pela primeira vez desde da segunda Guerra Mundial, um país europeu foi selvaticamente bombardeado: a OTAN fustigou durante mais de dois meses a Sérvia a fim de “convencer” aquele país a largar a sua província histórica
do Kosovo, porque devido a fluxos migratórios no último século, tinha agora uma maioria etnicamente albanesa. Actualmente, o Kosovo é um país insustentável, reconhecido por poucos (Portugal fê-lo mas não a Espanha), com um PIB de 7400€/capita e que se aguenta à base da caridade internacional. 
Entretanto o Sr. Barroso e outros Van Rompuy ´s vêm ameaçar os cidadãos de Barcelona, Edimburgo, Antuérpia e Bilbao para não pensar em independência à pena de serem banidos da C.E., uma posição prepotente e injusta, que mais uma vez prova que a construção Europa na sua forma actual não pertence aos povos nem às pessoas mas sim aos Estados anónimos e à nomenclatura residente em Bruxelas. Cada vez mais compara-se a Comissão ao Politburo da defunta URSS: onde tudo é decidido nas antecâmaras e em “petit comité”.
E o papel de Portugal em tudo isto? Querendo ou não, para estes povos que sonham com a independência, o nosso país continua, neste aspecto, a ser um exemplo. Conseguiu manter a sua independência durante oito séculos ultrapassando todas as crises de qualquer natureza: a confluência perfeita e bem-sucedida do povo, nação e estado.
Da minha parte, creio que Portugal deveria assumir, sem hostilizar as instituições existentes, um papel de padrinho benevolente para estas novas nações em via de nascimento. É um facto que um espaço ibérico onde convivessem além do Reino de Espanha e a República Portuguesa, também uma nação Catalã e uma Vasca (e uma Galega?) dar-nos-ia uma outra dimensão.
É também um facto que a nível europeu, quanto maior o número de países pequenos/médios com ego próprio, maior será o seu peso para contrabalançar a hegemonia dos grandes.
Concluindo, ninguém é obrigado a simpatizar com as aspirações dos povos acima mencionados, mas também ninguém pode ficar indiferente quando lhes for negado o direito básico de decidir de maneira democrática o seu próprio futuro.


PS 1. Teremos uma dívida de honra? Os historiadores afirmam que uma das razões pelas quais Felipe III não se pôde concentrar totalmente na “reconquista” de Portugal nos anos 1640-1650 é que estava a braços com uma revolta na Catalunha. Entretanto Portugal ganhou algum tempo para se preparar militarmente.

PS 2. Há algumas décadas atrás, uma certa esquerda tinha declarado o óbito definitivo do nacionalismo, derrotado pelo internacionalismo operário; enganaram-se bastante porque está mais vivo do que nunca. A barba do velho Marx está cada vez mais depenada…

 

segunda-feira, março 17, 2014

Poetas sem harpa e herois por obrigação

(Publicado no Jornal "Região do Castelo")

No número anterior foi publicada nestas páginas uma diatribe contra os Poetas (na política) e os Politólogos no contexto da passagem da Troika por Portugal.
No que diz respeito aos Poetas na política, ninguém pode negar que a esquerda europeia tenta há décadas apropriar-se do monopólio de tudo o que é cultura e arte, incluindo a poesia: foi talvez uma das consequências de maio ´68 e do snobismo revolucionário daquela época. A habilidade táctica utilizada é a colagem obrigatória do “politicamente correcto” ao valor intrínseco de qualquer tipo de arte. O resultado deste modelo de raciocínio tendencioso implica que quem não for da esquerda não pode ser bom artista ou homem de cultura.
É obviamente uma posição grotesca, porque se trata de uma ideologia que usa a preferência política do artista como critério determinante para emitir julgamentos sobre o seu talento. Uma incongruência, mas que pegou. Agora francamente, nos dias que correm, quem - mesmo sabendo que fizeram escolhas políticas muito erradas – ousa ainda intitular Knut Hamsun, Leni Riefenstahl, Brasillach ou Céline como nulidades artísticas? Seria tão absurdo como desprezar a poesia de Pablo Neruda porque escreveu uma extensa “Ode a Estaline” ou Bertold Brecht porque durante algum tempo foi cúmplice do regime opressivo da DDR.
Infelizmente, devemos admitir que hoje em dia, continua a ser um facto que um versejador qualquer – a condição de militar no partido certo – pode ser transformado quase automaticamente num génio literário e que para um deputado medíocre apresentar-se como poeta é a chave para um “upgrading” mediático infalível. A musa será avermelhada ou não será: os Jacks Langs e outros Manueis Carrilhos fizeram bem o seu trabalho
A palavra “politólogo” significa na sua origem “uma pessoa especialista em política” - supostamente um profundo conhecedor e analista - mas actualmente esta definição diluiu-se um pouco e em geral somos confrontados com indivíduos que são praticamente - como goza um blogue famoso – “tudólogos”: são “sábios” que sabem tudo sobre tudo, são os treinadores da bancada política. Frequentemente comentam na televisão e o público adora. Se são bem pagos ou não, não é relevante, porque numa economia semi-liberal como a nossa, tudo o que tende para o vedetismo é bem pago: seja futebolista, cantor ou politólogo. Mas honestamente, os verdadeiros políticos “de raça” também não são tudólogos?
A maioria absoluta (131) dos deputados é composta por juristas, professores e técnicos superiores de diversas administrações, mas todos discutem, falam e decidem sobre tudo: agricultura, saúde, pesca, trânsito e ambiente. Ainda bem que existe a “disciplina do grupo” para orientar alguns no momento de votar. Nem falamos aqui dos que são ou foram ministros com um diploma artificialmente embelecido. Resumindo: na minha opinião, o “politólogo comentador” não é uma criatura basicamente diferente do político convencional; só que fala um pouco mais na televisão em horário nobre e que tem, por motivos de “espectáculo ”, a obrigação de dar regularmente algumas alfinetadas ao Governo em função. O leitor dirá: e alguém como Miguel Sousa Tavares? Não é político nem parlamentar, mas todos sabemos que como “tudólogo assumido” poderia exercer estes papéis na perfeição.
Sobre a qualidade dos “corajosos” que - alegadamente em contraste com os Poetas e os Politólogos - têm de decidir e resolver, podemos ser muito breves. A crise afectou todos os países da zona Euro, mas a grande maioria não teve de recorrer a qualquer resgate. Os que actualmente “decidem e resolvem” não o fizeram por heroísmo ou lucidez mas porque foram obrigados por instâncias externas em troca de empréstimos, para poder evitar a falência iminente do estado. Tem toda a razão o Ricardo Castanheira, recentemente expulso do PS de Coimbra, quando diz: “ os partidos em Portugal ainda não compreenderam o que se está a passar no Mundo”.

PS 1. No caso das obras de Miró: a questão fulcral é de saber se o Estado Português tem condições financeiras para abdicar dos 80 milhões de euros que vale esta colecção. Se o Miró era Espanhol ou Português (ou Catalão) não tem nada a ver com o assunto, os apreciadores da Arte não costumam ter reflexos chauvinistas deste género.
PS 2. Quando o Dr. Seguro admitiu o insucesso dos 4 últimos governos (incluindo o do PSD-CDS) em realizar as suas promessas, falou - finalmente - verdade. Como também o Dr. Passos Coelho falou verdade quando afirmou que “os governantes devem mudar de mentalidade”, que “não voltaremos à riqueza ilusória de antes” e que “alguns acham que são donos do país”.  Espero que tenha falado para todos os níveis de governação e que tenha tentado lançar algumas farpas também para dentro do seu próprio partido…
PS 3. Finalmente, estranha-me que num artigo inspirado por considerações de ordem partidária, o autor se afixa como representante de uma empresa. Normalmente numa democracia ocidental, as empresas – sendo agentes económicos e não políticos - evitam ser publicamente associadas a um partido político: por respeito pelas opiniões dos seus colaboradores e das dos seus clientes. Mas de certeza que alguma coisa me escapa…