segunda-feira, março 17, 2014

Poetas sem harpa e herois por obrigação

(Publicado no Jornal "Região do Castelo")

No número anterior foi publicada nestas páginas uma diatribe contra os Poetas (na política) e os Politólogos no contexto da passagem da Troika por Portugal.
No que diz respeito aos Poetas na política, ninguém pode negar que a esquerda europeia tenta há décadas apropriar-se do monopólio de tudo o que é cultura e arte, incluindo a poesia: foi talvez uma das consequências de maio ´68 e do snobismo revolucionário daquela época. A habilidade táctica utilizada é a colagem obrigatória do “politicamente correcto” ao valor intrínseco de qualquer tipo de arte. O resultado deste modelo de raciocínio tendencioso implica que quem não for da esquerda não pode ser bom artista ou homem de cultura.
É obviamente uma posição grotesca, porque se trata de uma ideologia que usa a preferência política do artista como critério determinante para emitir julgamentos sobre o seu talento. Uma incongruência, mas que pegou. Agora francamente, nos dias que correm, quem - mesmo sabendo que fizeram escolhas políticas muito erradas – ousa ainda intitular Knut Hamsun, Leni Riefenstahl, Brasillach ou Céline como nulidades artísticas? Seria tão absurdo como desprezar a poesia de Pablo Neruda porque escreveu uma extensa “Ode a Estaline” ou Bertold Brecht porque durante algum tempo foi cúmplice do regime opressivo da DDR.
Infelizmente, devemos admitir que hoje em dia, continua a ser um facto que um versejador qualquer – a condição de militar no partido certo – pode ser transformado quase automaticamente num génio literário e que para um deputado medíocre apresentar-se como poeta é a chave para um “upgrading” mediático infalível. A musa será avermelhada ou não será: os Jacks Langs e outros Manueis Carrilhos fizeram bem o seu trabalho
A palavra “politólogo” significa na sua origem “uma pessoa especialista em política” - supostamente um profundo conhecedor e analista - mas actualmente esta definição diluiu-se um pouco e em geral somos confrontados com indivíduos que são praticamente - como goza um blogue famoso – “tudólogos”: são “sábios” que sabem tudo sobre tudo, são os treinadores da bancada política. Frequentemente comentam na televisão e o público adora. Se são bem pagos ou não, não é relevante, porque numa economia semi-liberal como a nossa, tudo o que tende para o vedetismo é bem pago: seja futebolista, cantor ou politólogo. Mas honestamente, os verdadeiros políticos “de raça” também não são tudólogos?
A maioria absoluta (131) dos deputados é composta por juristas, professores e técnicos superiores de diversas administrações, mas todos discutem, falam e decidem sobre tudo: agricultura, saúde, pesca, trânsito e ambiente. Ainda bem que existe a “disciplina do grupo” para orientar alguns no momento de votar. Nem falamos aqui dos que são ou foram ministros com um diploma artificialmente embelecido. Resumindo: na minha opinião, o “politólogo comentador” não é uma criatura basicamente diferente do político convencional; só que fala um pouco mais na televisão em horário nobre e que tem, por motivos de “espectáculo ”, a obrigação de dar regularmente algumas alfinetadas ao Governo em função. O leitor dirá: e alguém como Miguel Sousa Tavares? Não é político nem parlamentar, mas todos sabemos que como “tudólogo assumido” poderia exercer estes papéis na perfeição.
Sobre a qualidade dos “corajosos” que - alegadamente em contraste com os Poetas e os Politólogos - têm de decidir e resolver, podemos ser muito breves. A crise afectou todos os países da zona Euro, mas a grande maioria não teve de recorrer a qualquer resgate. Os que actualmente “decidem e resolvem” não o fizeram por heroísmo ou lucidez mas porque foram obrigados por instâncias externas em troca de empréstimos, para poder evitar a falência iminente do estado. Tem toda a razão o Ricardo Castanheira, recentemente expulso do PS de Coimbra, quando diz: “ os partidos em Portugal ainda não compreenderam o que se está a passar no Mundo”.

PS 1. No caso das obras de Miró: a questão fulcral é de saber se o Estado Português tem condições financeiras para abdicar dos 80 milhões de euros que vale esta colecção. Se o Miró era Espanhol ou Português (ou Catalão) não tem nada a ver com o assunto, os apreciadores da Arte não costumam ter reflexos chauvinistas deste género.
PS 2. Quando o Dr. Seguro admitiu o insucesso dos 4 últimos governos (incluindo o do PSD-CDS) em realizar as suas promessas, falou - finalmente - verdade. Como também o Dr. Passos Coelho falou verdade quando afirmou que “os governantes devem mudar de mentalidade”, que “não voltaremos à riqueza ilusória de antes” e que “alguns acham que são donos do país”.  Espero que tenha falado para todos os níveis de governação e que tenha tentado lançar algumas farpas também para dentro do seu próprio partido…
PS 3. Finalmente, estranha-me que num artigo inspirado por considerações de ordem partidária, o autor se afixa como representante de uma empresa. Normalmente numa democracia ocidental, as empresas – sendo agentes económicos e não políticos - evitam ser publicamente associadas a um partido político: por respeito pelas opiniões dos seus colaboradores e das dos seus clientes. Mas de certeza que alguma coisa me escapa…