sexta-feira, outubro 19, 2012

A agregação das freguesias: Penela, a oportunidade perdida

Um dos cavalos de batalha deste governo era, supostamente, a agregação das freguesias, não só por motivos de poupança mas também – creio eu – para modernizar o aparelho do Estado. Já à partida o processo começou de forma inversa oferecendo aos municípios a possibilidade de se pronunciarem sobre a reorganização administrativa de cada território quando isto deveria ser feito logo, desde o início, por técnicos-especialistas, só dando depois às câmaras a possibilidade de recorrer. É do conhecimento geral que o poder local, sejam autarquias, sejam freguesias, nunca foi um grande protagonista de mudanças administrativas, bem pelo contrário: neste aspecto sempre foi um factor de imobilismo conservador e demasiado preocupado com a manutenção das suas prerrogativas. Neste contexto é de esperar que a maior parte dos municípios farão tudo para limitar ao máximo a remodelação administrativa do território, quase um boicote suave…
Entretanto tivemos no 31 de Março a grande manifestação “retro” em Lisboa, que foi verdadeiramente uma mostra de Portugal no seu melhor: milhares de pessoas acompanhadas por grupos folclóricos, acordeonistas e outros Zés Pereiras, vociferando contra a extinção de freguesias. Francamente incrível: enquanto muitos países resolveram já há décadas o seu problema de excesso de entidades minúsculas abaixo do nível de "Câmara Municipal", continua a ser possível em Portugal mobilizar multidões contra esta reforma tão necessária. Qual será o mal trocar as Juntas constituídas por via política e pagas pelo contribuinte, por serviços administrativos, provavelmente de maior competência, prestados por um funcionário da Câmara? Admito que tenho algumas experiências traumáticas com Juntas de Freguesias geridas à base de favores e cunhas, e neste contexto prefiro sem dúvidas um tratamento administrativo neutro, objectivo e não politizado: tratar dos meus assuntos não pode depender da benevolência de alguém; é simplesmente um direito meu. Nos países onde as “freguesias” ou similares foram abolidas, a população recebe apoio administrativo nas instalações existentes, nos horários habituais: neste aspecto nada muda.
Para além disso, todos os argumentos utilizados para a manutenção do “status quo” são de ordem sentimental, alguns francamente erróneos: por exemplo, como é que livrar o país dum estado de esmigalhamento extremo poderia afectar a coesão nacional? Não será antes o contrário? Será socialmente tão saudável convidar a cada quatro anos as populações destas pequenas sociedades a dividirem-se em grupos políticos inimigos e ficarem em pé de guerra partidária na altura das eleições locais?
Outro argumento querido pelos “ tradicionalistas irredutíveis” é a perda da “proximidade” em caso de reforma administrativa: isto era de facto um bom argumento há cem anos no tempo dos bois, dos burros e dos caminhos de terra batida; mas agora, em 2012, na era do telemóvel, do e-mail, da videoconferência, do SMS, com uma rede densa de estradas (por vezes até demais) parece-me um exagero sem limites.
Quem explicará à Troika que o interior de Portugal - e não só - ainda anda na época do paternalismo paroquial mais antiquado, e que há gente que utiliza uma terminologia hilariante do género de “não compreendemos … que se extingam as freguesias de Podentes e Rabaçal com toda a carga ancestral e de identidade que as solidifica e enobrece…”, até quase parece uma frase roubada aos “Monty Pythons”.
Penela optou por só agregar as suas duas maiores freguesias (criando segundo a imprensa uma mega-freguesia (!) de 3300 habitantes), uma fusão que na realidade já deveria ter sido feita há meio-século; de facto, não vemos qualquer semelhança entre São Miguel ou Santa Eufémia e Berlin-Este ou Oeste e “o muro imaginário” que passa através do edifício nº 28 da Rua de Coimbra só é visível para os “iniciados” oriundos desta Terra. Assim, Penela irá reduzir o mínimo possível o número de freguesias (de seis para cinco), mantendo as quatro mais pequenas o que significa uma reforma minúscula baseada numa Lei mole e muito pouco exigente. Existem duas possibilidades: ou o Senhor Secretário de Estado e o Governo ao qual pertence nunca quiseram na realidade uma reforma administrativa profunda do país, e optaram por montar um esquema para inglês ver ou então, se o desejo de dotar Portugal de uma administração municipal mais simples, mais profissional e mais eficaz era mesmo sincero, o Eng.º. Paulo Júlio deve estar muito, mas mesmo muito desiludido com a sua vila natal. 
Quero finalizar - sem qualquer tipo de presunção - com um exemplo esclarecedor. No fim-de-semana passado estive com dois amigos Portugueses na Bélgica, concretamente na cidade onde nasci. É uma pequena cidade rural de 20.000 habitantes (Penela tem quase 6.000) com uma superfície de 120 km2 (Penela 132 km2) e… não têm nenhuma freguesia. No país referido, desde a reforma administrativa em 1961 (há 50 anos!), só as cidades com mais de 100.000 habitantes podem manter um sistema de “subdivisões” ou “freguesias” e – o que é bastante elucidativo - só uma única, Antuérpia com mais de 500.000 habitantes, aproveita esta possibilidade.
Conclusões:
1º Penela perdeu a oportunidade de ser um exemplo motivador para o país inteiro.
2º Uma reforma parcial que não passa de uma pequena intervenção cosmética e superficial, não serve a Portugal em nada, bem pelo contrário, mais uma vez arriscamos continuar a correr atrás do comboio da história.

 

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